A crise mundial que se revelou em 2008 teve duras consequências no transporte marítimo de mercadorias. No espaço de um ano, os armadores assistiram ao desaparecimento de cerca de 9% do mercado. Diversos navios foram enviados para as docas secas ou simplesmente desmantelados.
2010 marcou no entanto um ponto de viragem, com o volume de tráfego a aumentar – o que tem feito desde então – e a levar ao regresso ao serviço das embarcações que apenas um ano antes estiveram ameaçadas. A construção naval assistiu igualmente a uma recuperação inesperada, com encomendas impensáveis há apenas alguns anos atrás, por parte de economias emergentes, mas o que não será óbvio à primeira vista é que o mundo do transporte marítimo de mercadorias mudou por completo neste curto espaço de tempo.
Neste artigo procuraremos sumarizar as principais alterações, e analisar as implicações sistémicas que ameaçam mudar por completo a configuração do comércio marítimo internacional.
A era dos navios de ultra grande porte
Discutivelmente, uma boa porção do renascimento das linhas internacionais de transporte marítimo de mercadorias deve-se à concentração das frotas em navios cada vez maiores, os Very Large Container Ships (VLCS – ou Porta-contentores de muito grande porte), ou os Very Large Bulk Carriers (VLBC – Graneleiros de muito grande porte), navios cuja capacidade de carga excede as 300,000 toneladas.
Os dados disponibilizados pelo World Shipping Council são peremptórios: enquanto existiam à data de Julho de 2013 183 porta-contentores com capacidade superior a 10000TEU (ou seja, 10,000 contentores), as encomendas eram de 103 embarcações, quase duplicando a capacidade de carga deste segmento.
Em nenhum lado esta tendência é tão notória quanto no polémico caso dos “Valemax“, navios mineraleiros fretados à Vale S.A., uma das maiores corporações mineiras do mundo e o maior operador logístico do Brasil. Cada um destes navios possui uma capacidade de carga entre 380,000 e 400,000 toneladas de minério de ferro, e quando os 35 estiverem prontos, poderão transportar por si só 15% de todas as exportações Brasileiras na área da mineração.
A Vale S.A. estima que a poupança oferecida pelos grandes navios atinja os 25%, enquanto as tarifas de transporte estão hoje em 20% do que eram em 2008 e estima-se a descida até valores da década de 70. Em consequência, as pequenas companhias estão a ser empurradas para a falência, incapazes de competir com as grandes alianças: só Maersk, MSC e a Francesa CMA-CGM controlam 58% do tráfego de contentores entre Ásia e Europa.
Os grandes terminais de distribuição de carga
Tomando os navios Valemax como exemplo, apesar da sua construção ser em boa parte na China, as autoridades Chinesas proibiram a sua operação a partir de portos nacionais por motivações de segurança. Efectivamente, poucos portos mundiais são capazes de acomodar navios com dimensões que excedem os 300, e mesmo os 400 metros. Ao mesmo tempo, a eficiência energética e o seu mero tamanho significa que estes grandes navios se movem a velocidades baixas, tornando as viagens mais longas, levando os armadores a cortar ainda mais em escalas.
Como resultado, continuaremos a assistir ao desenvolvimento de terminais de distribuição de carga, ou seja, portos onde VLBC, VLOC ou VLCS passarão a sua carga para navios mais pequenos para envio para portos mais pequenos.
Desafios para o transporte marítimo de mercadorias
Os desafios para os operadores de transporte marítimo de mercadorias encontram-se essencialmente em duas dimensões: nos portos de operação e no modo de lá chegar.
É expectável que as necessidades de redução de custos operacionais e de combustível continuem a impulsionar a opção por navios de mercadorias cada vez maiores, o que coloca a diversos portos mundiais o desafio de se adaptarem às dimensões generosas das embarcações, ou tornarem-se terminais de transferência de carga.
Mas do lado dos armadores, o problema é outro. Efectivamente, uma boa parte do transporte marítimo de mercadorias já é feito com recurso a embarcações incapazes de passar pelos canais do Panamá ou do Suez. Esta impossibilidade obriga os navios tipo Capesize a uma custosa e demorada navegação ao longo de África através do Cabo Boa Esperança ou ao longo da América do Sul para cruzarem o Cabo Horn.
Este conjunto de factores tem levado ao crescente destaque dado ao Nicaragua Canal, um novo canal interoceânico cuja construção poderá começar ainda este ano. O novo canal está ainda envolvo em polémica, graças a um processo de selecção do construtor sem concurso, de contornos lamacentos e com potencial para profundas alterações ecológicas.
Seja qual for o resultado desta polémica, o ritmo de crescimento do tráfego marítimo através de navios de muito grande porte leva-nos a pensar que terão de ser encontradas alternativas viáveis para os canais do Panamá e Suez, de modo a encurtar as rotas comerciais internacionais.